terça-feira, 24 de maio de 2011

Dominique Strauss Kahn foi eliminado por ameaçar a elite financeira mundial. 

Dominique Strauss Kahn foi vítima de uma conspiração construída ao mais alto nível por se ter tornado uma ameaça crescente aos grandes grupos financeiros mundiais. As suas recentes declarações como a necessidade de regular os mercados e as taxas de transacções financeiras, assim como uma distribuição mais equitativa da riqueza, assustaram os que manipulam, especulam e mandam na economia mundial.  

 

Não vale a pena pronunciar-nos sobre a culpa ou inocência pelo crime sexual de que Dominique Strauss Kahn é acusado, os media já o lincharam. De qualquer maneira este caso criminal parece demasiado bem orquestrado para ser verdadeiro, as incongruências são muitas e é difícil acreditar nesta história. 

O que interessa aqui salientar é: quem beneficia com a saída de cena de Strauss Kahn?

Convém lembrar que quando em 2007 ele foi designado para ser o patrão do FMI, foi eleito pelo o grupo do clube Bilderberg, do qual faz parte. Na altura, ele não representava qualquer "perigo" para as elites económicas e financeiras mundiais com as quais partilhava as mesmas ideias.

Em 2008, surge a crise financeira mundial e com ela, passados alguns meses, as vozes criticas quanto à culpa da banca mundial e à ao papel permissivo e até colaborante do governo norte-americano. Pouco a pouco, o director do FMI começou a demarcar-se da política seguida pelos seus antecessores e do domínio que os Estados Unidos sempre tiveram no seio da organização.

Ainda no início deste mês, passou despercebido nos media o discurso de Dominique Strauss Kahn. Ele estava agora bem longe do que sempre foi a orientação do FMI. Progressivamente o FMI estava a abandonar parte das suas grandes linhas de orientação: o controlo dos capitais e a flexibilização do emprego. A liberalização das finanças, dos capitais e dos mercados era cada vez mais, aos olhos de Strauss Kahn, a responsável pela proliferação da crise "made in America". 

O patrão do FMI mostrava agora nos seus discursos uma via mais "suave" de "ajuda" financeira aos países que dela necessitavam, permitia um desemprego menor e um consumo sustentado, e que portanto não seria necessário recorrer às privatizações desenfreadas que só atrasavam a retoma económica. Claro que os banqueiros mundiais não viam com bons olhos esta mudança, achavam que esta tudo bem como sempre tinha estado, a saber: que a política seguida até então pelo FMI tinha tido os resultados esperados, isto é os lucros dos grandes grupos financeiros estavam garantidos.

Esta reviravolta era bem-vinda para economistas progressistas como Joseph Stiglitz que num recente discurso no Brooklings Institution, poderá ter dado a sentença de morte ao elogiar o trabalho do seu amigo Dominique Strauss Kahn. Nessa reunião Strauss Kahn concluiu dizendo: "Afinal, o emprego e a justiça são as bases da estabilidade e da prosperidade económica, de uma política de estabilidade e da paz. Isto são as bases do mandato do FMI. Esta é a base do nosso programa".

Era impensável o poder financeiro mundial aceitarum tal discurso, o FMI não podia transformar-se numa organização distribuidora de riqueza. Dominique Strauss Kahn tinha-se tornado num problema.

Recentemente tinha declarado: "Ainda só fizemos metade do caminho. temos que reforçar o controlo dos mercados pelos Estados, as políticas globais devem produzir uma melhor distribuição dos rendimentos, os bancos centrais devem limitar a expansão demasiado rápida dos créditos e dos preços imobiliários Progressivamente deve existir um regresso dos mercados ao estado".

A semana passada, Dominique Strauss Kahn, na George Washington University, foi mais longe nas suas declarações: "A mundialização conseguiu muitos resultados...mas ela também tem um lado sombrio: o fosso cavado entre os ricos e os pobres. Parece evidente que temos que criar uma nova forma de mundialização para impedir que a "mão invisível" dos mercados se torne num "punho invisível"".

Dominique Strauss Kahn assinou aqui a sua sentença de morte, pisou a alinha vermelha, por isso foi armadilhado e esmagado.

Fonte: Octopus 

domingo, 8 de maio de 2011

Uma troika em seis mitos

Antes de conhecermos, pela voz dos senhores da troika, a parte má do acordo assinado pelo governo (deixo a análise das medidas para quando as conhecermos em pormenor - há coisas que exigem tempo e ponderação), vale a pena desmistificar seis mitos sobre a intervenção externa: que ela só acontece porque o governo nos trouxe até aqui; que a troika está cá para nos ajudar; que, tendo governantes incompetentes, devemos aceitar que seja ela a governar-nos; que todos temos de nos sacrificar; que temos a obrigação de evitar a instabilidade social; e que o nosso grande problema é ter Estado a mais.
1 - A intervenção externa acontece porque o governo nos trouxe até aqui.
Antes de mais, seria necessário perceber o que é o "aqui". O que Portugal está a viver, já viveu a Grécia e a Irlanda e tudo indica que poderá vir a ser experimentado por Espanha e talvez pela Itália e pela Bélgica. Cada um destes países tem apenas uma coisa em comum: fazer parte do euro. Esta crise resulta de uma crise internacional e de um ataque especulativo ao euro, depois das enormes perdas do setor financeiro no imobiliário. Esse ataque acontece porque o euro é uma moeda forte presa por arames institucionais. Ver um gigante sem defesas é demasiado tentador. Porque foram estes países e não outros? Porque são as presas doentes de uma manada em fuga. Uma manada composta por Estados egoístas e sem solidariedade entre si. O euro é disfuncional e nós somos o elo mais fraco.
E porque são estes os estados mais frágeis? Por razões diferentes. A Grécia por causa da sua astronómica dívida pública, a Irlanda pelo colapso da sua banca e do seu outrora tão elogiado modelo de crescimento económico, Portugal por causa da sua dívida externa - sobretudo privada. Tendo os três países em comum o facto de, por terem menos peso económico e político, serem mais dispensáveis.
A dívida externa portuguesa tem responsabilidades antigas. Resumiria, de forma um pouco simplificada, em cinco causas: uma moeda forte para uma economia fraca; a destruição de quase todo o tecido produtivo de bens transacionáveis e a aposta em bens e serviços não exportáveis, mais consentâneos com os hábitos de uma elite económica conservadora e rentista; um mercado de arrendamento anémico com excesso de endividamento para compra de casa, que foi promovido pelo Estado; as parcerias público-privado, que ajudaram ao endividamento da banca e do Estado; e salários baixos que impedem que se acrescente valor ao que se produz e que dificultam a poupança. Tudo isto impediu o crescimento e a poupança e promoveu o endividamento privado.
Ou seja, os nossos problemas são antigos. Remontam pelo menos à entrada de Portugal na então CEE, era Cavaco Silva primeiro-ministro. Continuaram e aprofundaram-se com António Guterres, Durão Barroso e José Sócrates. Sim, este governo deixou-nos vulneráveis. Mas não foi apenas este. Foram pelo menos todos os governos desde meados dos anos 80.
2 - A troika está cá para nos ajudar.
FMI, BCE e UE estão a emprestar-nos dinheiro a juros altos. Não nos estão a fazer favor nenhum. A urgência do empréstimo resulta de um cerco à nossa dívida soberana e da descapitalização da nossa banca. Temos culpas próprias, como já o disse, mas o aperto final deveu-se a juros especulativos que tornaram o pagamento da dívida e o financiamento nos mercados virtualmente impossíveis. Na prática, estamos a trabalhar para pagar juros de assalto, não para amortizar a dívida. Não vale a pena dizer que se não queremos depender dos outros não pedimos emprestado. Está por inventar a primeira empresa ou Estado que não recorre ao crédito. Só quem não faz a menor ideia do que está a dizer - ou está de má-fé - pode afirmar tamanho disparate.
Já o problema estrutural - económico, social e até político - que é o endividamento das famílias tem razões bem mais profundas. Razões que todas as medidas que se têm anunciado só irão aprofundar. Porque menos Estado social com mais contração salarial corresponde a mais endividamento das famílias para garantir serviços essenciais, como a educação, a saúde ou a habitação. Esse tem sido, aliás, um dos segredos do capitalismo financeiro por esse mundo fora: pressionar os Estados a deixar de garantir o que é fundamental para oferecer com juros aquilo que os impostos de todos garantiam.
Na verdade, Portugal foi obrigado a pedir a intervenção externa. E o objetivo desta imposição é fácil de perceber: os credores queriam um cobrador a governar o País. Percebendo que esta espiral seria insustentável, é necessário sacar tudo o que há a sacar antes que se faça a renegociação da dívida. E que ela, sendo inevitável como é, aconteça o mais tarde possível. Basicamente, quando já não houver nada para levar e a banca europeia esteja numa posição mais robusta que lhe permita lidar sem problemas com as inevitáveis perdas.
Conclusão: a troika não está aqui para ajudar Portugal a reerguer-se. Está cá para garantir que ficamos algum tempo ligados à máquina, assinando o nosso testamento antes de nos finarmos. Se cá estivesse para nos ajudar, negociava políticas de crescimento, as únicas que nos podem tirar deste buraco, e não políticas recessivas, que piorarão ainda mais a nossa situação. Se estivesse aqui para nos ajudar, emprestava dinheiro a juros aceitáveis, e não a juros especulativos que garantem lucro a instituições de que fazemos parte. Se estivesse aqui para nos ajudar, estaríamos a discutir a inevitável renegociação da dívida a tempo dela ter alguma eficácia.
3 - Devemos aceitar que a troika nos governe, porque não nos sabemos governar.
Para além da falta de patriotismo e do desprezo pela democracia que este argumento transporta, ele é infantil. A troika responde perante os países com mais poder. E é neles que estão os nossos principais credores. É por isso que o BCE e a União têm propostas mais violentas do que o FMI. Porque neles se faz sentir de forma mais evidente o poder da Alemanha. Ninguém, no seu perfeito juízo, se deixa governar pelos seus credores sem luta.
Os interesses que a troika defende e que o Estado português deve defender são opostos.
Para Portugal, a renegociação da dívida é urgente - já devia ter acontecido. Para a troika, deve acontecer o mais tarde possível. As políticas que a troika vai impor atirarão o País para uma crise profunda, apenas para garantir o pagamento do máximo da dívida possível o mais depressa possível. Portugal não tem nenhuma vantagem em aplicá-las e se o fizer apenas estará a ceder a uma pressão que resulta da sua situação de necessidade. A troika não é nossa aliada. Por piores que sejam os nossos governantes, esses, ao menos, podemos eleger ou fazer cair. Dependem de nós.
4 - Todos temos de nos sacrificar para tirar o País do buraco.
Esta ideia resulta de dois equívocos: que todos somos responsáveis por o que está a suceder e que todos estamos em condições de fazer sacrifícios. Com um salário médio de 750 euros e vinte por cento da população a viver abaixo do limiar de pobreza é insultuoso dizer que os portugueses vivem acima das suas possibilidades. A maioria dos portugueses faz sacrifícios desde que nasceu e não tem margem para fazer mais.
Com ou sem troika, são necessários alguns sacrifícios. Mas não de todos. Apenas dos que nunca os fizeram. Não esquecer este dado fundamental: Portugal é o País mais desigual da Europa. É no combate a essa desigualdade que estão as soluções para a nossa economia.
Se quando havia dinheiro ele não foi distribuído com justiça, que os sacrifícios o sejam, agora que o dinheiro falta.
5 - A instabilidade social só vai piorar a nossa situação.
Aceitemos este facto: em estado de necessidade, quem tem mais poder tentará fugir ao pagamento da fatura da crise. Sempre assim foi. Como nestas coisas a ética pouco ou nada determina, é a relação de forças entre os vários intervenientes que determinará a forma como os sacrifícios serão distribuídos. Ao sabermos que parte do dinheiro que vem - pago por todos nós a juros especulativos - irá para a recapitulação da banca, não é difícil prever quem ganhará e quem perderá com este empréstimo. Quem, mais uma vez, se sacrificará. Quem, mais uma vez, se safará.
Como a democracia estará, nos próximos anos, suspensa, os mais pobres perderam o único poder que tinham: o voto. Já nos foi explicado que, votem em quem votarem, as decisões serão sempre as mesmas. A não ser, claro, que se organizem em torno de uma alternativa política. Que ela apareça e que eles não tenham medo de a apoiar. Resta o outro instrumento: resistir para obrigar a uma distribuição mais justa dos sacrifícios. Em momentos como estes, o poder só compreende a linguagem da força (pacífica, claro está).
O discurso mainstream instalou o medo como estado de espírito nacional. Com as famílias endividadas, o desemprego a crescer todos os dias e a precariedade dos vínculos laborais a dominar o nosso mercado de trabalho, paralisar os cidadãos e obrigá-los a aceitar para si todos os sacrifícios é tarefa fácil. Virar os cidadãos contra os que, por terem uma situação laboral mais segura ou apenas por não se conformarem, teimam em resistir vai ser o próximo passo. Convencer todos que quem resiste é irresponsável e levará o País à desgraça, para mais facilmente obrigar todos a aceitar em silêncio a institucionalização política da injustiça social, será o discurso dominante dos próximos anos.
6 - Temos Estado a mais e esse é o nosso problema.
Aquilo a que assistimos é à maior transferência de recursos públicos para cofres privados, num processo que vem de longe e que chega agora à sua fase terminal. Assistimos, em todos os países ocidentais, a um assalto ao Estado Social. O seu desmembramento não é uma inevitabilidade económica. É uma escolha política de quem desistiu de ser o governo do povo, pelo povo e para povo.
Não nego que o nosso Estado é mal gerido. E essa é a nossa grande responsabilidade coletiva: escolhemos mal quem gere o que nos pertence a todos. Mas a destruição do Estado Social não resolverá os nossos problemas. O fim do Serviço Nacional de Saúde, da Escola Pública, da intervenção do Estado democrático na economia, de uma segurança social universal pública e de leis laborais que garantam o mínimo de segurança aos trabalhadores não libertará "as forças da sociedade civil" do jugo do Estado. Apenas garantirá que tudo o que os cidadãos europeus conquistaram nos últimos sessenta anos - e que os portugueses conquistaram nos últimos quarenta anos - será perdido. A nossa saúde, a nossa educação, a nossa velhice e os nossos direitos viverão sob o jugo do lucro.
Na realidade, a questão não é, nunca foi, nunca será, se temos Estado a mais ou a menos. Note-se que no mesmo momento que se emagrece o Estado nacionalizam-se bancos. Privatizam-se os recursos, socializam-se os prejuízos. Nunca o Estado exigiu tanto dos cidadãos, nunca os mais afortunados dependeram tanto dele para acumular ganhos. Aliás, grande parte dos erros do nosso modelo de desenvolvimento resultam disso mesmo: uma elite económica parasitária do Estado e um Estado subserviente a uma elite económica que vive mal com a concorrência e com o risco.
A questão é, sempre foi, sempre será, para quem trabalha o Estado. Para onde vão os nossos recursos. O que nos é proposto agora não é o emagrecimento do Estado. É o nosso emagrecimento para que o Estado transfira o nosso dinheiro para os que nunca se sacrificam em momentos de crise. E a pergunta que resta é simples: vamos deixar que o medo nos roube o que por direito nos pertence?
Fonte: "Arrastão"