segunda-feira, 18 de abril de 2011

O Titanic (Europa) desgovernado

É possível que a Finlândia vete a intervenção financeira em Portugal. Um conjunto de economistas alemães interpôs uma acção judicial com o mesmo objectivo. Na Finlândia e na Alemanha, assim como na Holanda e noutros países que têm escapado ao ataque especulativo às economias do euro, o discurso sobre a preguiça e a incompetência dos PIGS (Portugal, Ireland, Greece & Spain) faz o seu caminho. O complexo de superioridade latente ajudam à festa.
Não sabem os senhores, sobretudo os alemães, que no dia em que os "PIGS" rebentarem são eles que ficam a arder. A sua banca, que se está a recapitalizar à conta do BCE e dos juros de assalto que cobra aos devedores, dará o berro. Alguns holandeses, que andaram a investir nos bancos islandeses, julgando que tinham descoberto o ovo de Colombo, já sentiram como elas doem. Tivesse a Irlanda feito o mesmo que a Islândia e lançaria o pânico na city londrina. E se, como parecem desejar os eleitores finlandeses, Irlanda, Portugal, Grécia e Espanha declararem bancarrota o euro dará finalmente o berro. E virá o colapso do sistema financeiro dos que se julgam a salvo desta hecatombe.
A verdade é esta: a intervenção externa nos países periféricos tem como objectivo levar tudo o que haja para levar até secar o poço. E garantir que os credores se salvam da tormenta. Mas quer nas economias fortes, quer nas economias fracas, a narrativa tem sido outra: os devedores são irresponsáveis e quem fez tudo bem é que paga a factura. A infantilidade do raciocínio tem muitos adeptos. Lá e cá.
Nos países mais ricos a coisa cola com facilidade. Nos países mais pobres é mais fácil exigir sacrifícios se acreditarmos nesta história. Só há um pequeno problema com este discurso: se ele acalma a revolta no sul, atiça a raiva no norte. E, perante líderes fracos num lado e povos dóceis no outro, são os que se julgam a salvo que vão fechar a torneira, garantindo assim, sem o saber, que a crise chega a eles mais depressa.
Se ninguém fizer nada para travar esta espiral de cegueira, será assim a história do fim da União Europeia e da sua moeda: cada um tentou salvar-se a si e todos se afogaram no fim. Criámos uma moeda sem poder político que a governe, criámos um espaço económico comum sem coesão social e sem orçamento próprio, criámos um monstro incontrolável. Era inevitável que quando as coisas dessem para o torto tudo se desmoronasse.
A tripulação deste navio não parece querer explicar aos finlandeses que se decidirem deixar a água inundar as camaratas até as suites mais finas acabarão no fundo do mar. Nenhum comandante tem coragem de dizer aos alemães que os passageiros que viajam em económica serão apenas os primeiros a afogar-se. Nos salões europeus, os passageiros mais distintos, incomodados com a gritaria da plebe irresponsável que corre sem destino pelo convés, continuam a ouvir a orquestra, julgando que o naufrágio não lhes diz respeito. Os passageiros menos abonados continuam demasiado ocupados com o seu próprio enjoo para reagirem racionalmente ao estado de alerta. E só quando o Titanic europeu finalmente se afundar uns e outros perceberão que seguiam todos no mesmo barco desgovernado.
Publicado por Daniel Oliveira no Expresso Online

sexta-feira, 15 de abril de 2011

A Banca, este PS, este PSD e a falta de vergonha

A desfaçatez do bloco central não tem limites: Teixeira dos Santos indicou que o Estado está "disponível" para entrar no capital dos bancos. Sem mais, claro. O Estado bombeiro aceita empréstimos, com condições draconianas para as classes populares, para ajudar os bancos e seus accionistas, socializando prejuízos num processo à irlandesa? É isto, não é? Até agora os bancos intermediavam entre o BCE e o Estado, ganhando à custa de todos. E ainda há quem chame ajuda a esta expropriação. Revela-se claramente a lógica da concertação entre os bancos, organizada internamente pelo Banco de Portugal, para exigir a entrada da troika FMI-BCE-CE. A solidez do contrato político com este sector financeiro, um dos principais responsáveis pelo estado do país, por contraste com a precariedade do contrato social, diz tudo sobre o espírito santo que comanda internamente a nossa economia política. Embora o encaixe financeiro seja residual num contexto de venda forçada, a exigência de privatização de bens públicos essenciais faz todo o sentido para quem quer capturar sectores onde os lucros estão garantidos. É viver sempre em cima das possibilidades da comunidade. O que está aqui em jogo é um processo de transferência dos custos sociais do ajustamento à crise do capitalismo financeirizado para o "factor trabalho", a expressão de Cavaco Silva que é todo um programa político. A alternativa? Alternativas há muitas para os vários planos da vida económica, mas se calhar vai ser preciso pensar em reestruturar os bancos, impondo nesse processo perdas severas aos accionistas e aumentando a importância da banca pública.

A economia política da austeridade orçamental

Haverá uma saída para a crise se não se recusar a lógica da austeridade, colocando em cima da mesa soluções à escala europeia que passem por políticas públicas de estímulo económico?
«Em Portugal, a evolução dos salários da função pública é um dos mais importantes factores de influência nas negociações salariais do sector privado. A redução de salários da função pública não poderá deixar de ter um forte efeito na moderação salarial no sector privado.» A página trinta e três do relatório do orçamento proposto pelo governo para 2011 sublinha a lógica da política económica em curso, que, com maiores ou menores encenações, conta com o apoio do Partido Social Democrata (PSD), de Aníbal Cavaco Silva e das fracções mais medíocres do capitalismo português: assegurar uma quebra nos rendimentos, directos e indirectos, do trabalho no sector público e, por arrastamento, no sector privado. Depois de propor um corte de 5% na massa salarial da função pública, o ministro das Finanças, Fernando Teixeira dos Santos, afirmava que um corte de salários no sector privado «reforçaria a competitividade».
Os cortes previstos de 10% nos gastos com o subsídio de desemprego e com o rendimento social de inserção, num contexto em que a taxa de desemprego passará, de acordo com as irrealistas perspectivas do governo, de 10,6% para 10,8%, o que ainda assim corresponde à destruição de noventa mil postos de trabalho, inscreve-se na mesma lógica, ou seja, aprofundar uma economia do medo tendente a levar à aceitação pelos assalariados, actuais e putativos, de reduções do poder de compra do seus salários e de deterioração das suas condições de trabalho. O que está aqui em jogo é um processo de transferência dos custos sociais do ajustamento à crise do capitalismo financeirizado para o «factor trabalho», a expressão de Cavaco Silva que é todo um programa político. Esta escolha política, simultaneamente nacional e europeia, assenta num diagnóstico e em hipóteses económicas dúbias, que escrutinarei antes de expor os contornos de uma alternativa de política económica mais robusta. Esta é tanto mais necessária quanto Portugal é, juntamente com a Itália e à excepção do Haiti, o país que menos crescimento cumulativo registou nos últimos dez anos a nível mundial (2,43% e 6,47%, respectivamente). Ao contrário do que se afirma por aí, os problemas das finanças públicas são consequência desta estagnação, que muito deve a um euro disfuncional e a outras factores estruturais, e não a sua causa.

Reduzir o Estado a uma família e o trabalho a um custo

Estamos perante a mais intensa política de austeridade desde o 25 de Abril, contabilizada, por agora, em mais de 11 mil milhões de euros em 2010 e 2011, representando 6,7% do produto interno bruto (PIB) português. Só somos ultrapassados pela Grécia (12,6% do PIB grego em três anos), afastamo-nos da Irlanda (4,4% em dois anos) e estamos muito longe da Espanha (1,4%). O orçamento de 2011 prevê medidas de austeridade que ultrapassam os 5 mil milhões de euros, que se traduzirão numa forte quebra dos rendimentos das classes populares, apertadas pelos cortes brutais das despesas sociais e pelo aumento do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) em dois pontos percentuais para um recorde de 23%, num dos países da Europa onde este imposto penalizador dos mais pobres, que consomem o seu rendimento, mais pesa na estrutura de impostos. Juntem a isto as reduções das despesas públicas nas áreas da saúde e da educação, os cortes nos abonos de família ou a perda de poder de compra das pensões e temos um processo de fragilização do Estado social que nos afasta ainda mais do ideal da universalidade e da gratuitidade no acesso, as duas melhores vias para garantir a sua eficácia redistributiva e sobrevivência política, a partir do momento em que todos os grupos sociais dele beneficiam.
Vale tudo para reduzir aceleradamente o peso do défice e da dívida no PIB? Isto num contexto económico tão periclitante e depois de uma crise económica que aumentou o défice, e logo a dívida. Estes aumentos evitaram uma depressão semelhante à dos anos trinta, graças aos efeitos dos chamados estabilizadores automáticos, ou seja, à quebra automática das receitas fiscais e ao aumento das despesas públicas num contexto em que os Estados, felizmente, têm maior peso. Vejamos o que aconteceu na zona euro: 0,6% de défice orçamental em média no ano de 2007; 6,3% do PIB em 2009. Aumentos generalizados do peso da dívida pública no PIB.
O governo e os economistas do medo que cirandam por Belém, pelos estúdios de televisão e pelas sinecuras públicas e privadas repetem a mesma cassete, sem cuidarem do contexto: equilíbrio das contas públicas a todo o custo, credibilidade internacional, financiamento da economia portuguesa, aumento da competitividade internacional, maior selectividade e sustentabilidade das políticas sociais. Estranhamente, os efeitos perversos da austeridade não são contabilizados num discurso moralista sobre as finanças públicas, que ora trata os défices como o resultado do «despesismo» de um governo que não se comporta como uma boa família, ora como o resultado do esforço titânico para debelar de forma resoluta a crise, que agora há que interromper para ganhar credibilidade perante mercados financeiros liberalizados que exigem remunerações usurárias para deterem dívida pública nacional.
Acontece que tentar desenhar políticas a pensar nos voláteis e especulativos «mercados» é um exercício votado ao fracasso. Os cortes comprimem o mercado interno, o que gera recessão e aumenta o desemprego. Ao prever um crescimento de 0,2%, assente exclusivamente nas exportações, o governo mostra a mesma miopia face ao desastre de que foram vítimas outros governos: por exemplo, na precoce Irlanda previa-se um crescimento de 1% para 2009, no seguimento da austeridade, e acabou-se com uma quebra de 10%….
A verdade é que o governo aposta nos cortes e num processo de deflação salarial para corrigir os desequilíbrios com o exterior, traduzidos num elevado endividamento externo, que é privado em cerca de 76%, numa União Europeia construída para que o trabalho seja visto apenas com um custo a conter e não como uma fonte de procura. O diabo está mesmo nos detalhes desta utopia. Quem fez as contas sabe que os cortes salariais, que imitariam uma desvalorização cambial a sério e indisponível num contexto de moeda única, são brutais. Entretanto, o comprimido mercado interno europeu, fruto da austeridade generalizada, assegurará uma saída para as exportações abaixo do que está previsto. A recuperação das exportações este ano deveu-se à estabilização das economias depois do colapso de 2009. A recessão pressionará as contas públicas e garantirá, neste ambiente intelectual moribundo, novos cortes. As falências e a quebra de rendimentos aumentarão as dificuldades em servir a dívida privada e pública e logo afectarão o financiamento de toda a economia, levando ao incumprimento dos pagamentos. Os especuladores sem freios ampliarão tudo. Entraremos num ciclo vicioso cada vez mais perigoso.
Os moralistas das finanças públicas farão a demagogia do costume, porque o peso da dívida pública num PIB diminuído poderá não cair como se espera e a poupança privada não tenderá a aumentar, visto que depende dos rendimentos gerados pela actividade económica. Esquecem-se que o Estado não se pode comportar como uma família sem onerar as famílias realmente existentes através do desemprego. Esquecem-se que a evidência histórica disponível indica que os efeitos keynesianos da austeridade são reais e dominantes, ainda por cima num contexto de taxas de juro baixas e de ausência de política cambial, um dos elementos que ajudou Portugal a sair da crise nos anos oitenta, no quadro do ajustamento patrocinado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).

Para lá da austeridade simétrica

Perante esta catástrofe, o discurso das esquerdas sobre a política económica não pode ficar exclusivamente amarrado a propostas de justiça social focadas nas questões estruturais dos défices de equidade do sistema fiscal, traduzidos nos favores fiscais à banca e ao restante capital financeiro, ou na predação dos recursos públicos, por exemplo, através de ruinosas privatizações ou parcerias público-privadas, promotoras do controlo privado de serviços e infra-estruturas públicas. É preciso recusar a lógica da austeridade, mesmo que esta pudesse ser mais simétrica na distribuição dos fardos entre os diferentes grupos sociais. Esta opção de política económica amputa o mercado interno, uma das pernas necessárias ao crescimento, acentua a desindustrialização, mina as possibilidades de crescimento qualificado no longo prazo e atola duradouramente o país numa taxa de desemprego de dois dígitos. Isto para não falar dos problemas do incumprimento e reestruturação da dívida pública e privada, que se tornarão inevitáveis num contexto em que a zona euro poderá estar ameaçada. É preciso ter a coragem de dizer que a recessão, o desemprego e os desequilíbrios externos não serão debelados sem uma política pública de estímulo económico com escala europeia, que faça com que a política orçamental e monetária convirjam e acabe com a sua separação artificial, e sem uma política industrial de transformação da estrutura produtiva.
Para isso, é necessário, em primeiro lugar, que o Banco Central Europeu (BCE) possa imitar o Banco Central do Japão ou a Reserva Federal norte-americana e comportar-se com um verdadeiro banco central que emite moeda para financiar directa e parcialmente os défices públicos dos Estados. A proposta de Mike Weisbrot e Juan Montecino para a economia espanhola é um exemplo de bom senso, a replicar: os Estados periféricos não embarcariam em processos de consolidação orçamental aventureiristas enquanto a crise não estivesse debelada. Até lá, o BCE financiaria os défices no montante equivalente à austeridade programada. Juntem a isto a proposta feita por Ronald Janssen, economista ligado à Confederação Europeia de Sindicatos: em vez de usar o fundo europeu recém-criado para salvar os bancos do centro, impondo a austeridade nas periferias, apliquem-se esses recursos num programa de estímulo à escala europeia, criando-se assim um princípio de política contracíclica, numa União completamente desarmada do ponto de vista orçamental, financiando-se, por exemplo, programas de investimento em energia e redes de transporte.
Ao mesmo tempo, e como sugere João Ferreira do Amaral, as periferias devem reconquistar instrumentos de política industrial e comercial para debelar os défices permanentes nas suas relações com o exterior. Isto passa por permitir a suspensão temporária das exigentes regras do mercado interno europeu, que impõem a concorrência entre economias com capacidades competitivas muitos distintas, por forma a permitir ajudas aos sectores inovadores nacionais e alguma protecção face às importações. Se isso se conjugasse com a criação de mecanismos de coordenação salarial à escala europeia, que impedissem a continuada compressão dos custos laborais, em especial na Alemanha, bloquear-se-ia a destrutiva deflação salarial em que os países tentam ganhar vantagens comerciais à custa dos assalariados e de uma corrida para o fundo em que quase todos perdem. Uma alternativa a isto passaria pela criação dum mecanismo de saída temporária do euro, que permitisse uma desvalorização cambial promotora das exportações, conjugada com uma reestruturação da dívida e com ajudas europeias mais robustas.
Estas propostas são sensatas intelectualmente, mas de difícil concretização política. No fundo, elas exprimem a consciência de que a zona euro é uma criação disfuncional, uma utopia monetária, sem governo económico. No entanto, as elites dos países centrais, os grandes beneficiários deste processo, em conjunto com o sector financeiro e com os capitalistas de centro comercial e de construção civil das periferias, estão apostados é em reforçar o «estúpido» Pacto de Estabilidade e Crescimento com sanções financeiras para os «incumpridores» − mas apenas quando estes forem pequenos países, claro. O governo aceita acriticamente o moralismo das finanças públicas, que está de boa saúde também na União. A moralidade, nem por isso. De facto, as condições para uma economia civilizada, que crie empregos, que gere uma distribuição menos desigual, social e regionalmente, dos rendimentos e da riqueza e que seja ambientalmente sustentável estão cada vez mais distantes.
Neste cenário político, num contexto em que não podemos ficar nem sair da zona euro, a previsão de João Cravinho parece plausível: «a compressão interna prolongar-se-á por muitos anos, sendo inevitável o empobrecimento relativo do país». No entanto, estou em crer que este cenário, que não se cinge a Portugal, não ocorrerá, pelo menos não no quadro da zona euro tal como a conhecemos. O colapso desta construção disfuncional poderá bem ser um cenário mais plausível. A história económica na Europa ainda não terminou.

Publicado em Le Monde Diplomatique em 01 de Dezembro de 2010 por JOÃO RODRIGUES (Economista, investigador no Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra)

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Islândia. O povo é quem mais ordena. E já tirou o país da recessão.

Interrompo a série de textos sobre a Crise e Dívida na Europa para publicar uma notícia que me parece importante, e até entronca na Crise Internacional sob a qual vivemos, que foi publicada no jornal i e que, na minha opinião, nos dá uma verdadeira lição de DEMOCRACIA e ECONOMIA.

Os protestos populares, quando surgem, são para ser levados até ao fim. Quem o mostra são os islandeses, cuja acção popular sem precedentes levou à queda do governo conservador, à pressão por alterações à Constituição (já encaminhadas) e à ida às urnas em massa para chumbar o resgate dos bancos. 
Desde a eclosão da crise, em 2008, os países europeus tentam desesperadamente encontrar soluções económicas para sair da recessão. A nacionalização de bancos privados que abriram bancarrota assim que os grandes bancos privados de investimento nos EUA (como o Lehman Brothers) entraram em colapso é um sonho que muitos europeus não se atrevem a ter. A Islândia não só o teve como o levou mais longe.
Assim que a banca entrou em incumprimento, o governo islandês decidiu nacionalizar os seus três bancos privados - Kaupthing, Landsbanki e Glitnir. Mas nem isto impediu que o país caísse na recessão. A Islândia foi à falência e o Fundo Monetário Internacional (FMI) entrou em acção, injectando 2,1 mil milhões de dólares no país, com um acrescento de 2,5 mil milhões de dólares pelos países nórdicos. O povo revoltou-se e saiu à rua. 

Lição democrática n.º 1: Pacificamente, os islandeses começaram a concentrar-se, todos os dias, em frente ao Althingi [Parlamento] exigindo a renúncia do governo conservador de Geir H. Haarde em bloco. E conseguiram.
Foram convocadas eleições antecipadas e, em Abril de 2009, foi eleita uma coligação formada pela Aliança Social-Democrata e o Movimento Esquerda Verde - chefiada por Johanna Sigurdardottir, actual primeira-ministra.
Durante esse ano, a economia manteve-se em situação precária, fechando o ano com uma queda de 7%. Porém, no terceiro trimestre de 2010 o país saiu da recessão - com o PIB real a registar, entre Julho e Setembro, um crescimento de 1,2%, comparado com o trimestre anterior. Mas os problemas continuaram. 

Lição democrática n.º 2: Os clientes dos bancos privados islandeses eram sobretudo estrangeiros - na sua maioria dos EUA e do Reino Unido - e o Landsbanki o que acumulava a maior dívida dos três. Com o colapso do Landsbanki, os governos britânico e holandês entraram em acção, indemnizando os seus cidadãos com 5 mil milhões de dólares [cerca de 3,5 mil milhões de euros] e planeando a cobrança desses valores à Islândia.
Algum do dinheiro para pagar essa dívida virá directamente do Landsbanki, que está neste momento a vender os seus bens. Porém, o relatório de uma empresa de consultoria privada mostra que isso apenas cobrirá entre 200 mil e 2 mil milhões de dólares. O resto teria de ser pago pela Islândia, agora detentora do banco. Só que, mais uma vez, o povo saiu à rua. Os governos da Islândia, da Holanda e do Reino Unido tinham acordado que seria o governo a desembolsar o valor total das indemnizações - que corresponde a 6 mil dólares por cada um dos 320 mil habitantes do país, a ser pago mensalmente por cada família a 15 anos, com juros de 5,5%. A 16 de Fevereiro, o Parlamento aprovou a lei e fez renascer a revolta popular. Depois de vários dias em protesto na capital, Reiquiavique, o presidente islandês, Ólafur Ragnar Grímsson, recusou aprovar a lei e marcou novo referendo para 9 de Abril. 

Lição democrática n.º 3: As últimas sondagens mostram que as intenções de votar contra a lei aumentam de dia para dia, com entre 52% e 63% da população a declarar que vai rejeitar a lei n.º 13/2011. Enquanto o país se prepara para mais um exercício de verdadeira democracia, os responsáveis pelas dívidas que entalaram a Islândia começam a ser responsabilizados - muito à conta da pressão popular sobre o novo governo de coligação, que parece o único do mundo disposto a investigar estes crimes sem rosto (até agora).
Na semana passada, a Interpol abriu uma caça a Sigurdur Einarsson, ex-presidente-executivo do Kaupthing. Einarsson é suspeito de fraude e de falsificação de documentos e, segundo a imprensa islandesa, terá dito ao procurador-geral do país que está disposto a regressar à Islândia para ajudar nas investigações se lhe for prometido que não é preso.
Para as mudanças constitucionais, outra vitória popular: a coligação aceitou criar uma assembleia de 25 islandeses sem filiação partidária, eleitos entre 500 advogados, estudantes, jornalistas, agricultores, representantes sindicais, etc. A nova Constituição será inspirada na da Dinamarca e, entre outras coisas, incluirá um novo projecto de lei, o Initiative Media - que visa tornar o país porto seguro para jornalistas de investigação e de fontes e criar, entre outras coisas, provedores de internet. É a lição número 4 ao mundo, de uma lista que não parece dar tréguas: é que toda a revolução islandesa está a passar despercebida nos media internacionais.
Fonte: jornal i