domingo, 28 de novembro de 2010

É a Guerra dos Mercados ou a Guerra de Outra Maneira?

Este é um texto escrito pelo Professor Manuel Brandão Alves, presidente da Associação Nacional de Direito ao Crédito e Professor do Instituto Superior de Economia e Gestão:
Nos mercados, em particular nos financeiros, travam-se hoje lutas com uma tal agressividade que permitem que nelas se revejam guerras que têm efeitos devastadores que em nada ficam a dever às guerras, mais clássicas ou mais modernas, que atravessaram e ainda atravessam o mundo em que vivemos. É o que procurarei mostrar a seguir.
Tem-se falado muito da agressividade dos mercados financeiros quando a eles se dirigem países com fragilidades económico-sociais, como as que têm vindo a ser reveladas por países como a Grécia, a Irlanda, Portugal e até a Espanha. Explicar essa agressividade apenas com a existência de fragilidades de quem procura o crédito, nomeadamente, as que decorrem do peso elevado das suas dívidas externas (pública e privada), é o mesmo que medir a dimensão do iceberg através da sua parte emersa.
Aquela agressividade tem-se caracterizado pela extorsão (crime, que em termos individuais está sujeito a sanção pelo Código Penal) feita sobre os recursos dos países que recorrem ao crédito e que se traduzem, em particular, por insuportáveis subidas de taxa de juro. Este comportamento não tem, no entanto, similitude com o que é adoptado face a outros países com necessidades de endividamento equivalentes. O que pode explicar a diversidade de comportamento?
Como é conhecido, o nível de actividade económica baixou, substancialmente, nos países mais desenvolvidos, na sequência dos acontecimentos do Outono de 2008. Isto significa que diminuíram as oportunidades de investimento na actividade produtiva, ou diminuíram, pelo menos, as oportunidades de retorno de taxas de remuneração do capital tão elevadas como as que eram obtidas anteriormente. Não é de excluir, também, que tenha chegado à maturidade a vaga tecnológica que até há pouco assegurou remunerações elevadas, mas que começam, por essa razão, a diminuir.
Assim sendo, a liquidez existente vai-se afastando da actividade produtiva e concentra-se em aplicações financeiras, à procura de remunerações mais elevadas. Importa referir de onde vem essa liquidez. É colocada no mercado por particulares (especuladores ou não), mas também, e talvez sobretudo, pelos Estados. Para realizarem essas colocações, Estados e particulares servem-se de intermediários financeiros (bancos, mas não só) que procuram satisfazer os apetites dos seus representados. Por isso, concentram baterias junto dos Estados que necessitando de crédito, para negociarem das taxas de juro razoáveis, se encontram em situação de maior debilidade, a curto, médio e longo prazo.
Tem-se vindo a verificar que, por ocasião da colocação das emissões de dívida, apesar de a oferta ser superior à procura, mesmo assim o preço do dinheiro sobe. Isso só pode ser explicado pela cartelização dos intermediários financeiros. E porque nesta guerra estão, também, envolvidos Estados, bem se pode falar de extorsão de uns países sobre os recursos dos outros, tal como aconteceu e acontece em todas as guerras.
A guerra financeira
surge, assim, como uma outra face das designadas guerras limpas (químicas, bacteriológicas, biológicas ou outras). Ela tem os mesmos efeitos da ocupação (influência) territorial das guerras clássicas.
Depois dos anunciados pedidos de apoio feitos pela Irlanda ao Fundo Monetário Internacional e à União Europeia, tem-se especulado sobre se a pressão sobre Portugal, para a subida das taxas de juro, vai diminuir ou aumentar. O argumento de que a situação portuguesa é diferente da da Irlanda tem servido para justificar que a pressão diminuirá.
Do meu ponto de vista ela só diminuirá, se a liquidez existente nos mercados financeiros for capaz de encontrar aplicações alternativas que considere mais compensadoras, o que não me parece que seja o caso, ou se, devido à intervenção de instâncias internacionais, o país passar a dispor da liquidez de que necessita, sem se socorrer dos mercados financeiros. Por isso, se quisermos mais dinheiro, ou pagamos o que os mercados nos exigem (não estamos em condições de os contrariar) ou vamos ao Fundo, ou aos Fundos.
Quererá isto dizer que, numa perspectiva de curto prazo, perdemos toda a nossa capacidade de decisão e intervenção? Creio que não. É oportuno recordar que, também o David venceu Golias, socorrendo-se de uma simples fisga. Está, certamente chegada a altura de irmos buscar as fisgas ao armário e de começar a fazer alguns exercícios de pontaria.
Tendo efeitos equivalentes aos das outras guerras justifica-se plenamente que contra esta guerra (que nos é imposta) nos mobilizemos como faríamos contra outras de cariz militar. Como?
Procurando construir mecanismos de independência nacional suportados por opções de modelos de desenvolvimento alternativos, que nos libertem, pouco a pouco, da necessidade crescente de pedir dinheiro emprestado, ainda que para isso seja necessário regressar ao “maquis” (território da resistência).
A verdade é que nenhum dos actuais líderes políticos nacionais e europeus tem a coragem de acabar com esta GUERRA, que só porá em causa a Europa e os EUROPEUS!